
O primeiro dia da tarifa de 25% sobre as importações de aço
do Brasil determinada por Donald Trump foi de choque para a indústria
siderúrgica brasileira. Afinal, a medida afetou bem mais da metade das
exportações de aço do País. Até o início da noite de terça-feira, 11, as
empresas exportadoras para os EUA ainda tinham a esperança de que o governo
americano pudesse adiar por um mês a decisão. Trump, no entanto, foi implacável
na sua taxação global.
Alegando estratégia de negociação, as empresas do setor não
estão expondo as potenciais perdas que as medidas trazem para suas vendas ao
mercado americano. A decisão das associadas do Instituto Aço Brasil é manter as
negociações iniciadas com os EUA por meio do governo brasileiro, em um esforço
conjunto dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços
(Mdic)e de Relações Exteriores (MRE).
Marco Polo de Melo Lopes, presidente do Aço Brasil, disse ao
Estadão que o setor mantém a expectativa de que o processo negocial aberto em
alto nível por representantes do Brasil e EUA seja mantido e que volte a
priorizar o acordo (de cotas de exportação), bom para os dois países. “Tivemos
hoje, 12, o rompimento de um acordo que durou por seis anos. Deixou de existir,
e isso não é bom para nenhum dos lados”, afirmou, após reunião pela manhã com o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O executivo lembrou que nas bases do sistema de importação
construído no primeiro governo de Trump, em 2018, e que vigorou até esta
terça-feira, os embarques de aço brasileiros aos EUA ficaram isentos da tarifa
de 25%. Naquele ano Trump usou a Seção 232 para adotar as tarifa, mas
concordou, logo depois, em negociar um regime de “hard quotas”. O acordo,
ressalta Lopes, foi respeitado à risca: 3,5 milhões de toneladas de aços
semiacabados e 687 mil toneladas de laminados por ano.
Lopes alerta que há, agora, com a taxação global de Trump,
um mercado imenso, de 26 milhões de toneladas – que são as importações de aço
por ano por parte dos EUA – em que as empresas brasileiras vão ter de competir.
“Poderão ocorrer desvios de comércio numa disputa diferente, em novas bases,
por esse material. As siderúrgicas nacionais e de outros países, como México e
Canadá, contavam com as cotas”, afirma. Mas acredita muito numa solução
negociada por parte do governo brasileiro”.
A ArcelorMittal, que abastece sua planta industrial de
Calvert, no Alabama, com mais de 4 milhões de toneladas de placas, deve avaliar
alternativas para manter a operações de sua laminadora americana em sociedade
com a Nippon Steel. Uma delas é continuar enviando o material com tarifa de 25%
e tentar repassar a sobretaxa, ou boa parte dela, aos seus clientes locais.
Outra empresa, a ítalo-argentina Ternium, leva placas de sua
usina no Rio de Janeiro para o México e as transforma em produtos acabados
(bobinas). A partir de suas unidades no país atende demandas do mercado
americano. Como o México também entrou na mira de Trump com tarifa de 25%, as
exportações Ternium ficam afetadas.
A CSN, de Benjamin Steinbruch, segundo informações, com a
tarifa, fica com as exportações comprometidas. São cerca de 250 mil toneladas
por ano de produtos de alto valor agregado que colocava no mercado americano:
zincados, pré-pintados e folhas metálicas.
Como a empresa está com um alto-forno de seus altos-fornos
parado em Volta Redonda (RJ), um caminho é suspender a importação de placas de
aço que vem fazendo e deixar de produzir o volume que exportava. Com isso, a
perda anual que teria é estimada em pelo menos US$ 200 milhões.
A grande dúvida são as novas bases de preços
Avaliação de especialistas do setor ouvidos pelo Estadão é
de que os EUA continuarão comprando do Brasil e de outros países fornecedores
de placas porque não se consegue uma nova fonte de suprimento da noite para o
dia. Levaria alguns anos para o volume importado ser substituído por produção
local. O grande ponto, agora, são as novas bases de preços com a tarifa.
Calvert, da ArcelorMittal, por exemplo, terá fornecimento
próprio de 1,5 milhão de toneladas anuais, mas somente a partir do final do ano.
A empresa está finalizando a construção de uma usina de placas usando sucata de
ferro e aço como matéria-prima. Todavia, ArcelorMittal e Nippon Steel já
avaliam a construção de uma segunda unidade, do mesmo porte, o que demandaria
cerca de 30 meses para entrar em operação desde o início das obras.
Por isso, acredita-se em um novo acordo, que envolva cotas e
tarifa, por um período determinado. O Brasil tinha a cota garantida e pagava
mais 7% sobre o preço para entrar no mercado americano. Agora, ressalta o
especialista, ninguém mais tem cotas, a competição é geral. No caso de Calvert,
a preferência deverá ser pela compra de aço das duas usinas brasileiras da
ArcelorMittal.
Disparada dos preços nos EUA
As tarifas passaram a valer nesta quarta-feira, mas desde o
início do ano os preços de produtos laminados de aço no mercado americano vêm
em alta acelerada, segundo informações de consultorias que acompanham os
negócios internos. Na média, os preços da bobina a quente (BQ), produto de
referência para aço laminado, subiram mais de 30%.
A Nucor Corporation, terceira maior siderúrgica americana e
uma defensora ferrenha da tarifa ao aço importado, e fim das isenções, já
implementou vários aumentos de preço para a BQ. Saiu de US$ 790 a tonelada
curta (907 quilos) em 10 de fevereiro para US$ 915 a partir de segunda-feira,
10. Na mesma data, a California Steel Industries (CSI), uma controlada da Nucor
que pertenceu à Vale até o final de 2021, reajustou o preço para a US$ 975 a
tonelada curta.
Em uma semana, desde 3 de março, a Nucor e a California
Steel reajustaram seu preço-base da BQ em US$ 15 a tonelada curta para todas as
suas uidades de produção no território americano.
Segundo levantamento da S&P Global Insights, utilizando
o sistema Platts, a tonelada curta da BQ americana está cotada, em média, a US$
950. Esse valor equivale a US$ 1.045 a tonelada métrica (mil quilos), ou R$
6.115. No Brasil, o produto está sendo comercializado a R$ 4,5 mil, o que
significa uma diferença a mais de quase 36% para a BQ americana.
Desrespeito às regras de livre-comércio
Neste momento, ante o elevado grau de imprevisibilidade das
decisões de Trump e das medidas adotadas por ele, a melhor atitude é prudência,
caminho da negociação diplomática e aguardar os próximos passos, afirma Renê
Medrado, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados especializado em comércio
internacional.
O melhora caminho, diz Medrado, é seguir as iniciativas do
Mdic, que normalmente dá apoio com procedimentos técnicos, em defesa comercial
e em casos como este, de medidas que não eram imaginadas. “Trata-se de uma
questão global da nova administração americana, que leva a um processo de
incerteza grande para quem exporta aos EUA, para os importadores do país e para
empresas brasileiras que têm manufatura lá.”
Na avaliação de Medrado, os EUA podem estar criando mais
perdas para si mesmo com essas medidas intempestivas. “Com certeza, a tarifa
será repassada ao consumidor”, afirma. Ele lembra que em processos normais de
ações antidumping são feitas análises sobre o interesse público da medida,
avalia-se o efeito sobre a economia como um todo de forma estruturada.
Não é o que se vê nessas decisões de Trump, que fogem de um
sistema de regras estabelecidas para um regime de demonstração de força entre
nações. “O Brasil tem potência média, sairia em prejuízo partir, de imediato,
para retaliação tarifária. Por isso, o caminho é buscar apoio nas áreas técnica
e diplomática do Mdic e do Itamaraty”, afirma Medrado.
Nessa situação deflagrada por Trump, afirma, ficou evidente
a desconfiança e o desprestígio do sistema multilateral de comércio
internacional. “O que temos hoje é uma desestruturação das regras básicas
definidas mais de 70 anos atrás, no GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio), que não estão sendo respeitadas. Aplicam-se medidas fora do âmbito
da Organização Mundial de Comércio (OMC).”
O GATT, assinado em 1947 e que entrou em vigor em 1948, foi
um tratado internacional que estabeleceu regras para o comércio entre países,
baseado no princípio do livre-comércio.
Na avaliação do Instituto Aço Brasil, o não restabelecimento
do acordo que vigorou até dia 11 à meia noite, que fixou um regime de cotas
pesadas (”hard quotes”) vai trazer perdas não só para a indústria de aço
brasileira, mas também para a indústria siderúrgica americana.
Fonte: Estadão
Seção: Siderurgia & Mineração
Publicação: 13/03/2025