
Montadoras mais antigas com fábricas no Brasil vão entrar,
nos próximos dias, com pedido de averiguação de prática de dumping contra
empresas chinesas que estão comercializando veículos importados no País. O
principal alvo são os automóveis, mas serão incluídas também marcas que vendem
caminhões, ônibus e máquinas agrícolas e rodoviárias.
O processo deve ser enviado ao Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic)pela Associação Nacional
dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que representa 25 montadoras
do setor. Embora envolva vários segmentos, os principais alvos são a BYD e a
GWM.
As duas chinesas que vão inaugurar fábricas no País neste
ano venderam, respectivamente, 76,8 mil e 29,2 mil elétricos e híbridos em
2024. Os dois volumes representam 60% de todos os eletrificados que vieram de
fora e 22,7% de todos os veículos importados no período.
A GWM informa ver a ação com tranquilidade, pois age
seguindo as regras internacionais e a legislação brasileira para comércio
exterior. Em nota, a BYD negou qualquer prática de dumping na venda de veículos
no Brasil e destacou que está construindo em Camaçari, na Bahia, o maior
complexo industrial da companhia fora da China. “Estamos comprometidos com o
desenvolvimento da indústria automotiva brasileira que, por décadas, foi
deixado em segundo plano pelas montadoras tradicionais que agora tentam de
todas as formas utilizar artimanhas para esconder a falta de competitividade.”
O presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico
(ABVE), Ricardo Bastos, diz que o direito a averiguar eventual dumping está previsto
na Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele ressalta que não vê qualquer
“distorção nas relações entre Brasil e China, que são grandes parceiros
comerciais, mas, caso o pedido envolva os veículos eletrificados, vamos
contribuir com o processo.”
A Anfavea foi procurada, mas não quis comentar o tema. A
entidade tem reclamado com frequência do aumento das importações de veículos da
China. Sua participação entre os países que mais exportam para o Brasil dobrou
— era 12% em 2023 e foi a 26% no ano passado. O presidente da entidade, Márcio
de Lima Leite, tem dito que o excesso de importações coloca em risco a produção
local, “que gera empregos, tributos e desenvolvimento local de novas
tecnologias”.
Europa é modelo
O dumping é caracterizado quando uma empresa recebe
subsídios governamentais para exportar seus produtos abaixo do custo de
produção. Também quando a empresa arca com o prejuízo das vendas a preços
baixos para ganhar mercado. Um importante escritório especializado no tema
trabalha, há alguns meses, na busca de dados para basear a petição.
O relatório deve seguir critérios semelhantes aos usados
pela União Europeia que iniciou, em setembro de 2023, uma investigação sobre
alegações de dumping entre fabricantes chineses de veículos elétricos. Em outubro
passado, a UE impôs tarifas de até 35% sobre a importação desses veículos, que
se soma aos 10% que já eram cobrados.
No caso brasileiro, o Estadão apurou que o movimento para o
processo antidumping ficou mais forte após a importação de um lote de quase 100
mil veículos chineses às vésperas de uma nova alta na alíquota do Imposto de
Importação (II), em julho passado. Pátios de portos ficaram lotados de carros.
Segundo a Anfavea, ainda há cerca de 50 mil deles estocados
em áreas portuárias. A maior parte é da BYD, mas também há modelos da GWM e de
montadoras já instaladas. Conforme um pessoa do setor automotivo que acompanha
a questão e pede para não ser identificada, esses automóveis estão sendo
vendidos a preços muito abaixo dos praticados na China e em outros mercados.
Movimento similar de antecipação de importações pode se
repetir nos próximos meses, pois em julho haverá nova alta do Imposto de
Importação, que hoje está em 18%. Veículos eletrificados tiveram isenção do
imposto por nove anos. A partir de janeiro de 2024 voltou a ser cobrado
gradualmente e em julho de 2026 retomará a alíquota cheia de 35%, mas a Anfavea
tem pedido ao governo para antecipar o cronograma.
Licitações na mira
Outro alvo da Anfavea são os processos de licitação de
maquinário para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A
entidade diz que grande parte das compras está sendo feita de empresas que têm
pouca etapa fabril no País, o que é chamado de “maquiagem”, ou de grupos que
abrem um escritório, vencem as licitações, desaparecem e deixam de prestar
serviços de manutenção e de venda de peças.
Dados preliminares de um estudo que deve ser concluído em
abril para ser levado ao governo apontam que, de 2.132 máquinas adquiridas em
29 licitações averiguadas, 32% são de empresas de fora do País que “têm uma
saleta como sedel” ou que empregam menos de 20 pessoas só para realizarem
pequenos serviços, como instalação de logotipos.
Leite caracteriza o processo como uma “invasão de máquinas
importadas nas compras públicas do País” e defende mudanças na lei de
licitações. Segundo ele, o PAC tem mais de R$ 1 trilhão em recursos públicos
até 2026 com o pretexto de desenvolver o País, “mas as importações
descontroladas começam a destruir empregos no País”.
No ano passado foram importadas em todo mercado brasileiro
26,4 mil máquinas agrícolas e rodoviárias, o triplo do número de 2020. Desse
total, 55,7% vieram da China e 26,4% da Índia. Além de tirar mercado do produto
nacional, as importações crescem também nos países para onde o Brasil exporta.
“Temos produtos de qualidade – 42% de nossas exportações seguem para os Estados
Unidos –, mas estamos perdendo competitividade.”
Fonte: Estadão
Seção: Automobilística & Autopeças
Publicação: 27/01/2025