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A inflação de demanda não só roda acima da inflação de oferta no Brasil há um bom tempo, desde meados de junho de 2022, como, na ponta, ela tem acelerado mais rápido. A instituição financeira ASA calcula que, em 12 meses até junho, a inflação gerada pela pressão de demanda acumula alta de 6,52%, 0,6 ponto percentual acima do observado até maio. Enquanto isso, a inflação pressionada pela oferta oscilou menos, de 0,81% até maio para 0,84% até junho.

O resultado é que a participação da demanda na inflação geral também aumentou. Da alta de 4,23% do IPCA em 12 meses até junho, 2,32 pontos percentuais vêm da demanda. Em maio, eram 2,13 pontos e, em junho de 2023, 2,17 pontos. Enquanto a demanda ganha quase 0,2 ponto de participação na inflação cheia, a oferta não oscila nem 0,1 ponto, com 0,04 ponto a mais de maio para junho. O ASA considera os dados até junho porque utiliza a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) trimestral, do IBGE, em seus cálculos.

“O que vemos é uma inflação de demanda mais resistente, explicada pela atividade econômica ainda bastante forte, com mercado de trabalho aquecido e PIB crescendo acima do potencial”, afirma Leonardo Costa, economista do ASA.

Seu estudo é baseado em um exercício da distrital de San Francisco do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) que correlaciona, para cada item de um índice de inflação ao consumidor, uma série de preços e uma de quantidades. “Para cada série, eles fazem uma regressão, com defasagem de 12 meses, e analisam os resíduos. Dependendo de como os resíduos se comportam, eles definem se, naquele período, a inflação é mais de oferta ou de demanda”, explica Costa.

Ainda que alguns itens, geralmente, sofram mais choques de demanda do que de oferta, e vice-versa, a metodologia do Fed permite uma análise mais flexível. “Você não está amarrado em nada e cada mês é diferente. Pode ser que, em um dado momento, a inflação de alimentos, por exemplo, tenha sofrido um choque de oferta, mas pode ser que, em outro, a pressão esteja mais ligada à demanda. Ou pode ser, ainda, que você não consiga chegar a uma conclusão determinada”, diz Costa.

Para transpor o exercício ao Brasil, o desafio é que não há um mesmo índice com desagregações de preços e quantidades. Por isso, Costa combinou informações de preços com outros dados, por exemplo, de pesquisas do IBGE para o comércio e os serviços, do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

“Em 2015, quando houve aquela aceleração forte da inflação, foi muito por causa da oferta, de um choque na energia elétrica. Logo adiante, a economia desacelerou, e a inflação de demanda foi junto, a despeito de a inflação cheia ficar rodando em nível elevado”, observa Costa. Em 2018, outro evento associado à oferta: a greve dos caminhoneiros. “Mas, daí, a atividade econômica ficou rodando baixo por muito tempo e ajudou a inflação de demanda a não ficar muito alta”, diz.

“Quando vem a pandemia, a inflação de demanda é a que sente mais no começo, com aquela paralisação geral; depois, tem o choque e tudo sofre junto. Mas a inflação de demanda demora mais para desacelerar e a gente não vê ela desacelerando mais”, afirma.

O ponto, diz Costa, é que é na inflação de demanda que a atuação da política monetária tende a ser mais eficaz. “Vemos que, mesmo com juro tão alto, tivemos um primeiro movimento de desaceleração, mas ela ainda está em patamar muito elevado.”

Na sua avaliação, isso e outras ferramentas mais “comuns” ao Banco Central, como a análise de inflação de núcleos (que exclui itens voláteis), das expectativas de inflação, que estão desancoradas, e dos dados de atividade fortes, reforçam a elevação dos juros, iniciada pelo BC na semana passada.

A ata dessa reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem, mostra que os membros avaliaram uma “deterioração” da composição da inflação, ainda que o número agregado não tenha divergido significativamente do que era esperado. “Observa-se, ademais, uma interrupção no processo desinflacionário no período mais recente”, afirmam.

O ASA espera um ciclo total de alta da Selic de 1,5 ponto percentual, levando a taxa a 12%. “Pode ser até mais do que isso, se a inflação não ceder. O que a gente tem visto é que esse segundo estágio de desaceleração está, de fato, bastante difícil”, afirma Costa.

Mesmo com a perspectiva de desacelaração da atividade no segundo semestre, a inflação, notadamente a de demanda, não deve aliviar tanto, porque há inércia e o mercado de trabalho deve afrouxar apenas muito gradualmente, diz Costa. “Não vejo muito espaço para essa inflação desacelerar.”

A projeção do ASA para o IPCA em 2024 está em 4,6%, acima do teto da meta do ano, que é de 4,5%. Para 2025, a expectativa é de 4,1%.

O Bradesco projeta IPCA de 4,4% em 2024 e de 3,9% em 2025. Na avaliação do banco, a inflação mais ligada ao hiato (medida para a ociosidade da economia) está “relativamente bem comportada”.

Por seus cálculos, a inflação de serviços mais correlacionada com a ociosidade, por exemplo, está rodando em 4,3% em 12 meses. “É indicativo de uma economia que não deve estar superaquecida, como verificado entre 2011 e o começo de 2014”, afirma a equipe liderada por Fernando Honorato.

Juros mais elevados e gastos mais contidos, dizem, devem desacelerar o PIB, mas a perspectiva de um câmbio mais apreciado, em um contexto global desinflacionário, pode permitir que a economia ainda apresente expansão próxima ao potencial “com alguma desaceleração da inflação”, afirmam.

Bruno Balassiano, economista do BTG Pactual, reconhece que a inflação tem se mostrado mais benigna do que o esperado no segundo e terceiro trimestre, mas diz não esperar que leituras favoráveis persistam nos próximos meses. “Riscos altistas para a inflação de serviços não faltam”, diz em relatório.

Ele cita o mercado de trabalho “muito apertado” e “sem sinais claros de arrefecimento”. Diante disso, a expectativa é que a inflação de serviços subjacentes (mais ligados ao ciclo econômico) reacelere de 5% em agosto para 5,6% ao fim do ano, pela média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada.

Isso, somado ao efeito do repasse cambial sobre os bens industriais e ao crescimento de riscos altistas em itens suscetíveis aos efeitos da seca, como alimentação, energia elétrica e, em menor grau, combustíveis, faz o BTG projetar inflação de 4,7% neste ano. Para 2025, a expectativa é de 4%.

Fonte: Valor
Seção: Indústria & Economia
Publicação: 25/09/2024

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